domingo, 3 de junho de 2012

Tirem a sua opressão do caminho que eu quero passar com a minha dor.

Por Raquel Stanick



Os comentários machistas e preconceituosos que surgiram desde que começou-se a falar da Marcha das Vadias aqui em João Pessoa, e que pareceram se intensificar quando passei a ajudar a na organização da mesma, e que em muitos momentos me tiraram do sério, hoje não me parecem tão importantes, perto de outros comentários, de mulheres e homens, que pela primeira vez tem questionado falsas, limitantes e sufocantes noções de "moral", que aprisionam seus corpos e suas mentes em prol de uma suposta ordem social, que nada mais é, a grosso modo, apenas o que possibilita manter o status quo dominante que é branco, masculino, heterossexual e classe média.
Então escrevo esse texto como quem pede: questionem seus pensamentos e padrões!!!
Sejam livres! A liberdade é uma escolha, mas precisamos lutar por ela, acreditem!!!
Que ninguém, além de você mesm@, possa escolher quando calar e quando falar. E em que tom. Não são nossos peitos que essas pessoas que nos criticam não querem ver, porque "isso" toda a sociedade assiste hipnotizada em desfiles de carnaval e em qualquer programa de televisão.
Não se deixe iludir!!!
O que essas pessoas não querem é escutar os gritos de dor, medo e revolta escondidos durante muito tempo. Palavras que clamam justiça, igualdade e liberdade incomodam quem prefere manter-se dormindo em sua zona de conforto e não quer pensar sobre si mesm@ e no quanto suas escolhas, mesmo que seja a de manter-se em silêncio, também destroem, machucam, mutilam e matam. 
Sim, mulheres também são machistas, como muitos nos apontam os dedos para não ter que novamente (ai, que cansaço!) pensar sobre si. 
Sim, talvez eu seja preconceituosa e carregue machismo como todo mundo, vejam só! Mas sei que novas versões de mim podem surgir simplesmente quando penso, questiono ou apenas aceito que certas atitudes que tomo e pensamentos que tenho, farão diferença no meu caminho, só ou acompanhada, mesmo nesse mundão tão grande, todos os dias, todas as horas, em todos os momentos. Que posso inclusive MUDAR meus pensamentos, se eles forem mesmo mesmo machistas ou impliquem em qualquer dor ou mágoa, se eu for preconceituosa com meu semelhante. 
A Marcha não mudará nada? Faremos alguma diferença? 
Você e eu fazemos diferença e igualdade no mundo?
Sei das minhas escolhas e pensamentos e sei que sim, eles fazem diferença. Para mim. Para quem convive comigo. Para você, que se dispôs a ler esse texto.
Não, não é fácil pensar por si mesm@, claro que não é. É  até confortável ser como me ditam, é rápido ser como me ditam, todos os dias vejo revistas e mais revistas feministas nas bancas, tais como eram as fotonovelas da década de 60 que servem apenas para ensinar como "amarrar um homem" ou  como “mantê-los à distância” e tanto um ou outro "ensinam" que “devo” ora ser pudica ora que "devo" aprender pole dance, todas as posições do clássico kama sutra e incrementar com a contemporânea posição do caolho perneta. Tenho que ser linda, ter cabelo "bom", ser boa mãe, boa profissional, magra, malhada mas com curvas, delicada mas firme, não reclamar mas me impor, comprar o último creme rejuvenescedor que nem com três meses de salário... Ufa! Ufa! Ufa!
Não, fazer tudo isso não vai te "valorizar". Sinto te dizer que todo esse mercado em torno de ideais impossíveis de serem alcançados cria, isso sim, apenas seres humanos que nunca param, nunca descansam, nunca estão no aqui e no agora. Cria principalmente uma ânsia por alcançar padrões que você nem sabe de onde vieram e que são impossíveis, amig@! Triste assim.
Porque você tem que ser super alguma coisa e não "apenas" você mesma?
Dizem também que a Marcha das Vadias só serve para mostrarmos os peitos. Que seja!!! Quero mostrar ou não meu peito seu EU quiser, quando quiser, não apenas para vender desodorantes masculinos, cerveja e uma mentira de felicidade e igualdade disfarçada de carnaval.
Mas ai de mim, se não assumir meu débito para com os homens e a sociedade pelo simples fato de ter nascido mulher! Como eu ouso dizer que NÃO está tudo bem? 
Ora, eles são homens, tenho que agradá-los, nasci para isso, não foi? 
Não posso falar, não posso gritar, não posso contar a ninguém, eles não vão acreditar em mim!!! E engula o choro!!!
Devo mesmo? O quê? Porque?  
Outr@s querem nos convencer de que não estamos "preparadas" para assumir as reverberações da Marcha. Olha, minha carteira de identidade me lembra que sou uma adulta, responsável, vacinada, e sei que meu limite é apenas meu, mas também encontra em sua busca o outr@. Que tem sua vida, seus sentimentos, suas dores e amores. Que me desperta admiração, repulsa, respeito ou nenhum sentimento em especial por serem únicos, do jeito que são. Independente do que tem ou não tem entre as pernas.  
Quero o mesmo direito e que meu gênero não determine como devo ser tratada. E sim, estou falando também de abrir mão dos "privilégios", porque acredito que eles não são, nada mais nada menos, que formas de manter-me presa a esteriótipos do que é ser mulher. 
Quem tem o manual completo do que é ser mulher? E para ser gente, alguém tem?
Quero também poder parar na madrugada para ajudar uma pessoa, qualquer pessoa, que precise de ajuda para trocar um pneu. Quero não precisar tratar bem ou mal alguém por causa de seu sexo, mas apenas porque a pessoa é bacana ou não. Simples assim. 
Basta de falsos merecimentos e falsos acordos gentis!!!
Enfim, não quero determinar isso ou aquilo, assim ou assado, impor novos padrões, quero apenas como indivíduo que sou,  dizer não ou sim, sem ter que me render a ideários mentirosos ou utópicos que enxergam apenas finais felizes ou terríveis, belos ou horrendos em tudo. A Marcha é apenas um começo? Não, não é. Muita gente luta por igualdade e liberdade em movimentos diversos, há séculos, ela é apenas mais uma faceta desse imenso conglomerado de gente, ideias e força que acreditam num mundo melhor e mais justo. A Marcha é um fim em si mesmo? 
Eu te pergunto: Você acredita nas suas escolhas? Na sua vida?
Então é isso, até quando seremos consideradas como inferiores, frágeis, perigosas, vadias, putas, santas e portanto, precisando ser ensinadas, combatidas, catequizadas, curadas, manobradas, exorcizadas. Ser esgotadas, amarradas, esquecidas, odiadas ou amadas em datas "especiais", simplesmente porque não somos consideradas iguais? 
Por favor, parem! Por favor! 
Até quando vou ter que pedir como um favor meus direitos mais básicos? Respeito, justiça, igualdade, liberdade!!! Poder ir e vir sem que ser mulher e usar a roupa que eu quiser constitua um atentado à ordem estabelecida! 
E antes de criticar ou concordar sem ressalvas sobre esse ou qualquer texto aqui e pelo mundo afora, se pergunte, quem manda em você, senhora juíza, senhor juiz? Que deus, verdade absoluta, ideologia, paixão ou partido político falam através da sua boca? 
Vamos marchar?

2 comentários:

  1. Texto de uma clareza, precisão e beleza...vamos marchar! \o/

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  2. Muito bom o texto.
    Acho digno mulheres que saem as ruas pra defender os nossos direitos !
    Parabéns !
    Pode ter certeza que daqui, da onde eu estou, vou estar lutando também !
    Obrigada pelo encorajamento !

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